Inteligência Artificial: Adoção e Retorno de Investimento
por Bruno Accioly – 25.09.2025
O que o MIT Não Disse
Nas últimas semanas, manchetes alardearam que “95% dos projetos de IA falham” ou que “as empresas não obtêm nenhum retorno com a tecnologia”. Esses títulos viralizaram e foram amplamente reproduzidos por veículos como Fortune, Forbes e outros. O problema é que eles não correspondem ao que o relatório do MIT realmente mostra. No mínimo, houve imprudência jornalística; talvez até imperícia ou negligência, já que a interpretação enviesada parece tentar desacreditar a IA como um todo.
O estudo em questão “The GenAI Divide: State of AI in Business 2025” analisou 52 empresas e mais de 300 iniciativas. O dado dos “95%” não se refere a projetos de IA em geral, mas a um subconjunto específico: ferramentas corporativas sob medida, wrappers caros e pouco eficazes que tentaram ser construídos ou comprados pelas empresas. LLMs como ChatGPT, ou Gemini, ao contrário, mostraram altas taxas de adoção e continuidade. O que se propagou não foi ciência, mas manchete mal lida.
É essencial abrir este artigo deixando isso claro: o fracasso não é da IA e muito menos dos LLMs. O fracasso é da forma como empresas e imprensa trataram os dados. De um lado, executivos comprando promessas infladas de fornecedores. De outro, jornalistas replicando números sem examinar as tabelas. O resultado é ruído, não informação.

O Que o Estudo Realmente Mostra
O relatório do MIT distingue dois universos. O primeiro, de uso amplo: 80% das empresas pesquisadas já experimentaram LLMs generalistas — ChatGPT (OpenAI), Claude (Anthropic), Gemini ( DeepMind) —, e 40% continuam a usá-los de forma integrada. Nesse campo, a adoção é alta e a satisfação, consistente. O segundo universo, mais restrito, são os tais projetos corporativos específicos, como ferramentas vendidas como panacéias, soluções mágicas, muitas vezes custando dezenas de milhares de dólares, mas que entregaram menos valor do que um ChatGPT de US$ 20 por mês.
Wes Roth foi um dos que expôs com clareza esse ponto: os 5% de sucesso não se referem aos LLMs que transformaram o cotidiano dos trabalhadores, mas sim a projetos altamente customizados que, em sua maioria, fracassaram. Ao mesmo tempo, há uma economia paralela, o que o relatório chama de Shadow AI: funcionários que, sem esperar a aprovação da TI, usam contas pessoais para automatizar partes substanciais de seu trabalho. O contraste é gritante: enquanto manchetes falam de fracasso absoluto, o chão de fábrica já vive um sucesso difuso e invisível mas consistente.
Isso desmonta a ideia de que a IA não entrega valor. O que não entrega valor são os investimentos mal orientados, que compram soluções duvidosas em vez de capacitar as pessoas e aproveitar os LLMs já disponíveis. O erro está no investimento e, obviamente, nas manchetes sensacionalistas… não na tecnologia.

A Fraude do Sensacionalismo
Há, portanto, uma “fraude interpretativa” em curso. Não é que o MIT tenha se equivocado, o que se deu é que a forma como veículos de imprensa levianamente traduziram os achados deturpou completamente a pesquisa. Manchetes ignoraram distinções básicas entre categorias de IA, misturaram LLMs com wrappers ineficazes e concluíram que “a IA falha”. O que é absolutamente falso.
Como destacou Matthew Berman, a IA não está “matando a economia”; está, ao contrário, profundamente integrada nela. O que mata valor são promessas infladas, consultorias oportunistas e implementações mal conduzidas. Ao inflar um número descontextualizado, a imprensa não apenas erra: ela contribui irresponsavelmente para minar a confiança em uma tecnologia que já está entregando resultados diários.
Não é coincidência: manchetes negativas vendem mais cliques. É o conflito de interesses mais absurdos do Quarto Poder, que deveria ser encarregada de deixar profissionais e empresas mais informados. A responsabilidade jornalística não deve ser ignorada. Ao espalhar estatísticas falsas ou mal contextualizadas, esses veículos alimentam um ceticismo equivocado e podem travar investimentos que, bem direcionados, trariam ganhos reais. Isso merece ser denunciado como imprudência e negligência.
A Guerra das Correntes
No final do século XIX, assistimos a um episódio clássico de sensacionalismo tecnológico: a chamada Guerra das Correntes. Thomas Edison, já consolidado como inventor e empresário, defendia a corrente contínua (DC), enquanto Nikola Tesla e George Westinghouse apostavam na corrente alternada (AC).
Para proteger seus interesses, Edison lançou uma campanha difamatória contra a AC, explorando o medo público. Mandou organizar demonstrações públicas em que animais eram eletrocutados com corrente alternada, tentando associar a tecnologia de Tesla a risco e morte. Até a primeira cadeira elétrica foi projetada nesse contexto, como forma de estigmatizar a AC.
O tempo mostrou, porém, que a corrente alternada era mais eficiente, escalável e adequada para levar eletricidade a longas distâncias. Foi a tecnologia de Tesla que venceu — apesar da campanha de medo de Edison. A lição histórica é clara: quando o interesse econômico encontra a novidade disruptiva, o sensacionalismo muitas vezes se sobrepõe à análise técnica. Hoje, manchetes apocalípticas sobre a IA repetem, em outro palco, a mesma estratégia de medo e descrédito que Edison usou contra Tesla.

Entre Automação e Colaboração
Um dos dados mais fortes do estudo é que os projetos que funcionam não são os que tentam substituir pessoas, mas os que ampliam suas capacidades. A automação total pode parecer eficiente, mas tende a gerar frustração e resultados limitados. Já a colaboração homem-máquina, especialmente via LLMs, mostra taxas altas de adoção e ROI implícito.
A “shadow AI” reforça isso: os próprios trabalhadores criam valor ao usar ferramentas simples para reduzir burocracia e acelerar fluxos. São resultados invisíveis aos relatórios financeiros, mas poderosos na prática. O paradoxo é que muitas empresas tentam sufocar esse uso em nome da “segurança” ou do “controle”, enquanto jogam milhões em projetos corporativos mal concebidos.
A lição é clara: a IA não deve ser encarada como substituto, mas como aliado. Quem tenta automatizar tudo, falha. Quem adota em colaboração, prospera.

O Abismo da Escala
Outro ponto central: pilotos funcionam, mas escalar é difícil. E aqui novamente a leitura rasa atrapalha. Quando se diz que apenas 5% dos projetos alcançaram ROI, é preciso lembrar que esses projetos não são os pilotos de LLMs abertos, mas sim ferramentas corporativas sob medida. E mesmo nesses casos, alguns tiveram ganhos expressivos em backoffice: reduções milionárias em contratos de terceirização e economia em marketing e serviços.
O problema não é a inexistência de valor, mas a má formulação de expectativas. Empresas que entram em IA como quem compra um milagre inevitavelmente se decepcionam. Escalar exige estratégia, não apenas orçamento. Sem desenho organizacional e cultural, qualquer piloto se perde no caminho.
A falsa narrativa do fracasso, portanto, esconde os verdadeiros aprendizados: onde há clareza de objetivos e integração cuidadosa, há retorno. Onde há ilusão de milagre, há abandono.

O Elo Perdido: Estratégia, não Ferramentas
A insistência em terceirizar soluções ou comprar caixas-pretas explica boa parte do problema. O que falta às empresas não é tecnologia, mas arquitetos de decisão. O papel de um AI Strategist, alguém capaz de definir onde aplicar IA, como medir valor e como integrar fluxos, é essencial. Sem ele, cada investimento vira tiro no escuro.
Os dados do MIT reforçam essa ausência: projetos internos fracassam mais que aqueles feitos em parceria com fornecedores experientes. Mas mesmo parcerias não resolvem sozinhas. O que importa é a capacidade de pensar a IA estrategicamente, não apenas de adquiri-la como software de prateleira.
Enquanto as manchetes discutem “fracasso”, a realidade é outra: falta governança, falta clareza e falta gente preparada. Isso não se corrige com consultoria ocasional, mas com formação contínua.
ROI tecnológico: 200 anos de ilusões e retornos tardios
O debate sobre “retorno de investimento” não nasceu com a IA. Toda tecnologia transformadora passou por um ciclo de hype, frustração e maturação — em que o ROI real demorou a aparecer.
Na Revolução Industrial, os primeiros teares mecânicos enfrentaram resistência feroz dos luditas e mostraram baixa eficiência inicial. O ROI veio anos depois, quando processos inteiros foram redesenhados. O mesmo aconteceu com a eletricidade: nos primeiros 20 anos, fábricas apenas substituíram motores a vapor por motores elétricos, sem ganhos significativos. Só quando os arquitetos industriais reinventaram o layout fabril para explorar cabos flexíveis e iluminação elétrica, a produtividade disparou.
No século XX, a história se repetiu com sistemas de ERP e depois com CRM: projetos caríssimos, promessas de integração total, taxas altíssimas de fracasso. Mas quando empresas aprenderam a redesenhar processos e treinar pessoas, o ROI apareceu e esses sistemas se tornaram indispensáveis.
O padrão é recorrente: o valor de uma tecnologia não está no piloto nem no hype inicial, mas na reorganização profunda que ela exige. Medir ROI cedo demais sempre gera frustração. Medir com visão estratégica mostra retornos transformadores. A IA está apenas atravessando mais um capítulo desse ciclo histórico de 200 anos.

Para além do Hype há a Capacitação
O saldo desse debate é claro. Não houve “95% de fracasso da IA”. Houve má leitura, má-fé e sensacionalismo. A IA, especialmente via LLMs, já é onipresente, eficiente e produtiva. O fracasso real está na forma como empresas compram soluções mágicas e como a imprensa as reporta.
A narra se posiciona nesse cenário não através da venda de milagres, nem consultoria que impõe soluções de fora. Atuamos como parceira de capacitação, formando um conjunto restrito de estrategistas dentro das próprias empresas, uma força tarefa de elite dedicada a concepção e projeto de implementação e de implantação — ou mesmo de equipes maiores, através de parceiros que mediam a Capacitação Corporativa. Acreditamos que o verdadeiro ROI vem de profissionais preparados, não de wrappers de US$ 50 mil que fazem menos do que um chatbot de mercado.
O futuro da IA não será definido pelo hype ou pelo sensacionalismo, mas definido por quem souber capacitar suas equipes para usar a tecnologia de forma crítica, colaborativa e estratégica. Essa é a virada necessária. Essa é a nossa proposta.
por Bruno Accioly – 25.09.2025