eAI’? Pra onde ela vai?
por Bruno Accioly – 11.10.2025
Introdução
Se você acompanha as notícias sobre Inteligência Artificial, talvez esteja confuso. Num dia, manchetes dizem que a IA é uma fraude, que só repete bobagens, que jamais substituirá o raciocínio humano. No outro, alertam que ela vai acabar com empregos, revolucionar indústrias e transformar nossa civilização para sempre. Afinal: estamos diante de uma ilusão ou de uma revolução?
A verdade é que a Inteligência Artificial não surgiu ontem. Desde a década de 1950, pesquisadores tentam criar sistemas capazes de aprender, raciocinar e resolver problemas. Foram ciclos de entusiasmo e decepção — os chamados “invernos da IA” — que atravessaram gerações. Mas o salto decisivo veio em 2017, quando um grupo do Google apresentou a arquitetura Transformers, fundamento dos modelos atuais como GPT, Claude e Gemini. Ou seja: estamos falando de uma tecnologia que, de fato, tem apenas oito anos de maturação real.
E, nesse curto intervalo, os avanços foram surpreendentes. Um dos motivos é que esses sistemas não apenas executam tarefas: eles ajudam os próprios engenheiros a evoluí-los, funcionando como aceleradores da pesquisa científica e técnica.
Mas há também um fator humano: todo mundo tem opinião sobre inteligência. Assim como no Design, onde qualquer pessoa se sente à vontade para criticar ou opinar mesmo sem formação, a Inteligência Artificial desperta o mesmo impulso. Afinal, todos nós somos dotados de inteligência, logo nos sentimos “donos” do conceito. Isso gera debates acalorados — vindos da filosofia, da psicologia, da ciência da computação, da economia — além, é claro, das opiniões espontâneas do público em geral.
A questão é que, entre o hype e o ceticismo, a realidade da IA é mais interessante do que qualquer extremo. Não estamos diante de um truque vazio, nem de um oráculo divino. Estamos diante de uma tecnologia jovem, potente e ainda em formação — que talvez diga tanto sobre nós, humanos, quanto sobre as máquinas.

A IA como ferramenta produtiva nas mãos certas
Se na primeira parte vimos como o ceticismo ingênuo ou pseudocético tende a subestimar a Inteligência Artificial, agora é importante olhar para o outro lado: o que de fato já está acontecendo quando ela é usada com competência.
A metáfora é simples: uma furadeira, nas mãos de uma criança, pode ser uma ameaça. Mas nas mãos de um marceneiro experiente, é um instrumento poderoso de criação. O mesmo vale para os modelos de linguagem de última geração (LLMs). Mal utilizados, podem gerar respostas erradas ou enganosas. Mas, quando empregados por quem sabe o que procura, já se tornam um grande trunfo para acelerar produtividade, reduzir custos e expandir horizontes criativos.
Hoje, temos evidências sólidas disso:
- Na ciência, pesquisadores como Scott Aronson publicaram artigos em que GPT-5 sugeriu passos críticos em provas matemáticas complexas — não substituindo o cientista, mas acelerando o processo de descoberta.
- Na programação, engenheiros que usam ferramentas como GitHub Copilot ou plataformas corporativas de IA reportam ganhos de até 30% em velocidade de desenvolvimento e revisão de código, permitindo liberar versões mais rápidas e seguras.
- No atendimento e serviços, estudos controlados mostram que agentes de call center tiveram aumento médio de 14% em produtividade com suporte de IA, chegando a 35% entre os menos experientes. A IA não elimina o humano, mas nivela a qualidade para cima.
No trabalho intelectual geral, experimentos conduzidos por universidades indicam aumentos de até 37% na execução de tarefas de escrita, planejamento e síntese quando profissionais contam com apoio de LLMs.

Esses números não são abstrações de marketing: são resultados mensuráveis, em contextos reais de trabalho.
Mas talvez o mais importante não esteja nos percentuais, e sim na lógica que emerge: quanto mais a execução é automatizada, mais cresce o valor da concepção e do julgamento humano.
A IA é veloz em implementar, mas apenas pessoas sabem discernir o que vale a pena implementar. Ela acelera a produção de alternativas, mas cabe a nós escolher quais caminhos fazem sentido, quais oportunidades são valiosas, quais riscos devem ser evitados.
Evolução Vertiginosa em 8 anos
Ano | Conquista / Evento | Contexto / Detalhes | Importância |
2017 | AlphaGo derrota Ke Jie (3–0) | AlphaGo Master vence o campeão mundial em Go. | Símbolo do domínio da IA em jogos estratégicos antes considerados inalcançáveis. |
2017 | AlphaGo Zero / domínio autônomo | Versão sem dados humanos aprende sozinha e supera todas as anteriores. | Primeira demonstração clara de auto-aprendizado super-humano em larga escala. |
2021–2022 | Hutter Prize (compressão de texto) | Melhorias progressivas em compressão de grandes corpora de Wikipedia. | Indicador de avanços em eficiência e representação de linguagem. |
2023 | Benchmarks de programação (SWE-bench) | Modelos iniciais resolvem ~4,4% das tarefas reais de software. | Mostra a dificuldade em extrapolar para problemas práticos de codificação. |
2024 | SWE-bench melhorado (71,7%) | Novos modelos atingem salto massivo no benchmark em apenas 1 ano. | Demonstra aceleração sem precedentes na capacidade de programação autônoma. |
2024 | AlphaProof atinge nível prata na IMO | Sistema de IA resolve problemas olímpicos de matemática, pontuando como medalhista de prata. | Primeira entrada séria em competições matemáticas humanas de elite. |
2025 | Medalha de ouro na IMO (IA da Google/OpenAI) | Modelos resolvem 5 de 6 problemas da Olimpíada Internacional de Matemática. | Marco simbólico: IA alcança o topo em matemática escolar de elite. |
2025 | IA no nível de medalhista de ouro da IPhO (Physics Supernova) | Desempenho de 23,5/30 pontos, top 14 mundial. | Prova que sistemas já rivalizam com humanos em física teórica. |
2025 | AIxCC (DARPA Cyber Challenge) | Ferramentas de IA encontram falhas em milhões de linhas de código, com prêmios de US$ 4 milhões. | Demonstra aplicação prática em segurança cibernética crítica. |
2025 | SafeBench | Benchmark/competição de segurança de IA com prêmios significativos (US$ 50k+). | Estabelece novos padrões de avaliação e robustez em modelos. |
2025 | GPT-5 auxilia em prova de complexidade quântica (Scott Aronson) | Artigo no arXiv sobre limites de técnicas em QMA reconhece que um passo técnico crucial veio de iterações com GPT-5. | Primeira vez que uma IA contribui diretamente para pesquisa em matemática teórica de ponta. |

Trajetória de Conquistas
A trajetória das conquistas da inteligência artificial, desde 2017, mostra um deslocamento claro do simbólico para o substantivo. Após o impacto do AlphaGo vencendo campeões mundiais em Go e demonstrando a força do aprendizado autônomo, a IA começou a se provar em áreas mais abstratas: compressão, benchmarks de linguagem e, mais recentemente, programação. Entre 2023 e 2024, os saltos em benchmarks como o SWE-bench marcaram a entrada da IA no território da engenharia prática de software. Nesse mesmo período, o AlphaProof mostrou que problemas olímpicos de matemática já não estavam fora de alcance.
Em 2025, a narrativa ganhou contornos históricos: medalha de ouro na IMO, desempenho de elite na Olimpíada Internacional de Física, vitórias em desafios de cibersegurança como o AIxCC e SafeBench. O mais notável, porém, foi o episódio de setembro de 2025: um artigo de Scott Aronson em teoria da complexidade reconheceu que um passo técnico central da prova foi sugerido pelo GPT-5. Diferente de vencer em jogos ou resolver exercícios formatados, aqui a IA atuou como parceira de pesquisa científica, acelerando a descoberta de um resultado novo.
O arco é claro: de vitórias em jogos de tabuleiro para prêmios em ciência, matemática e segurança, até chegar à colaboração ativa na pesquisa de fronteira. 2025 se consolida como o ano em que os modelos de IA deixaram de ser apenas sistemas que superam benchmarks humanos e passaram a se tornar coautores da própria produção científica e intelectual.

O falso conforto da negação
É preciso parar de tentar desabonar a Inteligência Artificial.
Não por “respeito” às empresas que a desenvolvem, elas não precisam de advogados voluntários. Tampouco porque a IA “se ofenda” com as críticas. Mas porque essa atitude neo-Ludita cria uma tensão dissonante com a realidade. O resultado é um discurso que mistura medo irracional com verniz de sapiência, como quem quer parecer lúcido, mas na verdade repete inverdades para se proteger daquilo que não compreende.
O contraste histórico é gritante.
Em apenas oito anos, desde a publicação da arquitetura Transformers em 2017, as redes neurais saíram de tradutores medíocres para modelos capazes de:
- superar com folga o Teste de Turing, a ponto de torná-lo obsoleto como métrica;
- obter pontuações de ponta em benchmarks complexos, como competições de matemática e física;
- conquistar prêmios e primeiros lugares em áreas antes tidas como “inacessíveis” a máquinas.
Em 2010, lembro de colegas de TI que zombavam da IA. Diziam: “Jamais passará no Teste de Turing.” Pois não só passou, como ultrapassou. E, de repente, os negacionistas mudaram o discurso: “Ah, mas isso não importa mais.” É curioso como a barra da descrença se move para sempre manter a IA como “aquém do humano e jamais isso ou aquilo”, independentemente do crescimento que ela já demonstrou.
Hoje, enquanto céticos desinformados entoam sua ladainha — “é só snake oil, um autocomplete gigante, nunca terá inteligência genuína, é um papagaio estocástico, atingiu um platô, vai bater num muro, vai roubar empregos” — a realidade avança em silêncio:

A suposta “estagnação” é desmentida por cada nova curva de benchmarks e competições, onde LLMs atingem resultados que há cinco anos seriam motivo de manchete global. Modelos já treinam com dados sintéticos de altíssima qualidade, inclusive para robótica, permitindo que máquinas aprendam a andar ou manipular objetos no mundo real sem precisar falhar milhões de vezes fisicamente. E o argumento de que “não é inteligência” soa cada vez menos como debate sério e cada vez mais com alguém se debatendo contra a realidade: afinal, se algo age inteligentemente, coopera em pesquisas, gera descobertas e expande a cognição humana, a insistência em negar-lhe importância revela mais sobre o crítico do que sobre o objeto criticado.
No fundo, essa descrença é um consolo. Rebaixar a IA a “papagaio estocástico” protege contra o desconforto de admitir que algo novo, poderoso e em evolução está aqui, pedindo para ser compreendido e usado. É mais fácil rir-se do que não se compreende do que encarar as mudanças que essa tecnologia já provoca, como os marujos no convés, da alegoria Socrática, que gargalham do navegador que olha para as estrelas para escolher a direção que vai tomar.
Mas como em 1985, quando se dizia que câmeras eletrônicas “jamais” teriam a fidelidade do olho humano, e hoje elas enxergam o que nenhum olho vê, do ultravioleta ao telescópio espacial, talvez devêssemos aprender a lição e não subestimarmos o tempo, a tecnologia e a teimosia da engenhosidade humana e, por que não, a engenhosidade crescente da criatura que colocamos no mundo.
A Inteligência Artificial não precisa provar nada a seus detratores. Quem precisa são os detratores, que insistem em se apegar a frases como “jamais vai conseguir”. E se tem algo que a história já nos ensinou é que, em tecnologia, o verbete “jamais” costuma ter prazo de validade bem curto.
por Bruno Accioly – 11.10.2025